Pós-Brexit, UK planeja “atracar suas caravelas” na América Latina

Por Ulysses Maldonado F.

No pós-Brexit, o Reino Unido terá de redefinir as suas relações políticas, económicas, estratégicas, militares e outras com o continente latino-americano, da mesma forma que com o resto do mundo.

Nada será como o antigo Império Britânico, uma época em que os actuais actores dominantes – Estados Unidos, China, Rússia e União Europeia, que também têm suas fissuras – não tinham o poder que têm hoje.

As economias latino-americanas foram moldadas após a independência no século XIX pelo domínio britânico do comércio mundial e pelo impacto do imperialismo britânico.

Desde então, as economias regionais mudaram drasticamente, claro, com EUA, China e Pacífico a substituírem o Reino Unido como parceiros preferidos.

Mas a União Europeia (UE) continua a ser importante na América Latina, política, económica e culturalmente. Então o que significa para esta região a decisão do Reino Unido – definitivamente ratificada nas eleições de dezembro de 2019 – de deixar a UE?

A saída do bloco europeu foi concluída a 31 de dezembro de 2020, pondo fim a uma relação de 47 anos, e três anos após o referendo Brexit, as respostas ainda não são claras.

O Reino Unido é um país de apenas 242.000 quilómetros quadrados em dimensão geográfica. Embora pequeno em termos de massa terrestre, é a quinta maior economia do mundo e Londres é o maior mercado financeiro internacional do mundo.

O país parece estar a voltar o olhar para a América Latina com seriedade. Antes do referendo do Brexit, o então chefe da diplomacia em 2011, William Hague, disse durante um discurso na Canning House (uma casa latino-americana em Londres): “É tempo de o Reino Unido voltar finalmente a pensar na América Latina e nas oportunidades que ela apresenta para a cooperação política, comércio e investimento que beneficiarão todos os nossos cidadãos”.

Historicamente, a UE e a AL estabeleceram uma parceria estratégica e a UE tem procurado constantemente negociar com o Mercosul, o maior bloco comercial da AL.

Embora a região tenha vindo a aumentar o comércio com a China e a região do Pacífico, a UE continua a ser o maior parceiro comercial do Mercosul.

Na sequência do Brexit, e na procura de novos mercados e acordos, o Reino Unido está a olhar para a América Latina. Não foi por acaso que a recentemente nomeada ministra dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, Liz Truss, visitou o México, onde realizou reuniões com altos funcionários do gabinete federal, incluindo a ministra da Economia Tatiana Clouthier, mas excluiu a entrada no T-MEC porque se trata de um acordo trilateral e as suas cláusulas não permitem a entrada de outros países.

O Reino Unido procura agora estabelecer acordos bilaterais tanto com o México como com os Estados Unidos. A este respeito, um representante da Rainha Elizabeth disse que as negociações para um tal acordo com o México terão início em breve e que o Reino Unido espera assinar o tratado até ao final do próximo ano.

O Reino Unido está também a tentar aderir ao Acordo de Parceria Trans-Pacífico (TPP).

Não só existe muito pouco comércio entre o Reino Unido e a AL, como, para além da disputa sobre as Ilhas Malvinas, UK desempenha um papel muito limitado em termos de política estratégica na América Latina.

No entanto, num mundo pós-Brexit, a Grã-Bretanha precisa comercializar mais globalmente e Boris Johnson, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros, declarou que queria reforçar “a relação do Reino Unido com os países desta região”.

Com a saída da EU, os britânicos põem à prova a capacidade para fazer acordos comerciais com países da AL. Mas para poder negociar, precisam assegurar vias que lhe permitam procurar novos parceiros comerciais em todo o mundo.

Londres is calling

O governo britânico já manifestou a intenção de incluir a AL na busca por mercados alternativos à Europa, uma região que o primeiro-ministro e principal impulsionador de Brexit Boris Johnson diz ter sido há muito negligenciada por Londres e oferece, nas suas palavras, “reinos de ouro” para explorar.

“Se o governo britânico adoptar uma estratégia pós-Brexit que lhe permita desviar-se das regras e regulamentos da UE, penso que isso lhe daria grande liberdade para reforçar o seu comércio com os países da América Latina”, disse na altura Thomas Mills, da Universidade de Lancaster.

Em tempos recentes, observadores do mercado notaram um aumento do interesse das empresas britânicas em fazer negócios na América Latina. O British Council aumentou o seu orçamento para a AL com o objectivo de investir no intercâmbio cultural e na educação. Como exemplo, em 2011 foi assinado um acordo “Ciência sem Fronteiras”, que trouxe 10.000 estudantes brasileiros para universidades britânicas até 2015. Este programa tem vindo a expandir-se desde então.

Recursos naturais na AL são uma questão estratégica

A AL tem muitos recursos naturais. O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. A Colômbia tem a maior produção de grãos de café arábica. O México tem o sétimo maior sector de automóvel e é o oitavo maior produtor mundial de petróleo, com quase 3 milhões de barris por dia.

O sector mineiro do Peru está a crescer rapidamente e o país apresentou um crescimento anual do PIB de 6,1% entre 2002 e 2013. Como resultado, o Peru lidera a indústria mineira e ainda há 59 mil milhões de dólares de projectos mineiros planeados para os próximos anos.

Mais a sul, o Chile possui fontes de energia renováveis não convencionais, tais como biomassa, energia hidroelétrica, geotérmica, eólica e solar.

A par destes abundantes recursos naturais, a América Latina tem uma riqueza de capital humano devido à sua grande população de classe média. Além disso, os países latino-americanos podem tirar partido de um acesso fácil aos mercados norte-americanos.

Estes mercados estão a conseguir economias de escala, levando a custos mais baixos, o que representa uma oportunidade de poupar nas despesas gerais quando se opera no país.

Para o Reino Unido, qualquer empresa que se proponha crescer deve concentrar-se na América Latina e nos riscos, desafios e oportunidades que enfrenta neste novo contexto económico em que a AL continua a deter um grande potencial de investimento.

Os britânicos não estão apenas a olhar para os mercados latino-americanos em busca de números. A ideia é chegar como as caravelas de Colombo e tentar aterrar em terreno seguro. 

Imagem: Unsplash

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