Seu Nenê, 100 anos do Cacique!

Lyllian Bragança*

A história do carnaval paulistano faz uma bifurcação quando um homem preto, comprido, que tocava pandeiro dá nome a uma das mais tradicionais escolas de samba de São Paulo. Alberto Alves da Silva (Seu Nenê) completaria 100 anos no dia 24 de julho e, para comemorar, sua família, pelo Instituto Seu Nenê, inaugurou um busto na sede da Liga das Escolas de Samba, na zona norte da capital paulistana.

O mineiro, que chegou na Vila Matilde (Vila Esperança) em 1932, era filho de pai carioca: Albetino Alves da Silva e mãe mineira: Maria da Glória. Nenêm como era chamado por seu pai teve sua vertente de musicalidade criada no ambiente das festividades mineiras de origem preta, religiosa e, para além, tinha a ancestralidade de seus avós ex-escravos. Talvez daí venha a narrativa que seu Nenê tinha do negro, do movimento que ele constrói no quilombo da escola.

Dona Maria o levava para os salões da época, um deles foi do Príncipe Negro, despertando assim sua paixão por instrumentos, mais precisamente o pandeiro, que o levou a tocar em rodas de tiririca no Largo Peixe no improviso, ganhando assim o apelido de Nenê do Pandeiro.

E como sempre é bom lembrar: não existe fronteiras para o samba, existe para o capitalismo que instituiu os limites das cidades. Sendo assim, foi quando ele teve um encontro com Paulo Benjamim de Oliveira (Paulo da Portela) que daria início à escola de samba.

No documentário inédito que o Instituto disponibilizou em sua página no YouTube, ele relata o quanto foi marcante esse encontro: “ele falou do surdo, da marcação; aquilo marcou para mim, calça branca, tudo de azul, era a Portela”.

O cacique, como era chamado na sua comunidade, tinha muita força política e que de política estamos falando? A política do fortalecimento de um povo segregado, estereotipado e que, de forma inteligente, Seu Nenê liderou para que sua escola pudesse seguir.

Um exemplo é a primeira quadra coberta do país. Para o carnaval paulistano, isso foi um alicerce, já que ele uniu forças com outros líderes como Inocêncio Tobias (Camisa Verde e Branco), Madrinha Eunice (Lavapés), Pé Rachado (Vai-Vai), Seu Carlão (Peruche), e desse grupo que nasce o que é hoje o carnaval de São Paulo.

Seu Nenê era daqueles pretos obstinados que buscava o melhor para seu povo, condicionava sua escola a fazer história e fez com 11 títulos. Mas precisamos fazer jus ao que seu Nenê era com a ajuda de sua esposa, Maria Tereza. Foram 42 anos de união e ela foi a base da escola de samba, fazia sinopse, cuidava da contabilidade da escola, além, é claro, de cuidar da família.

Dona Tereza era filha de um relacionamento de sua mãe (uma mulher preta) com um homem judeu, por conta disso foi estudar em um colégio interno tendo adquirido uma educação que ajudaria na formação da agremiação.  

Ouvi e vi muitos discursos desse baluarte, muitos não davam bola, não se importavam, mas olha como ele era uma mente brilhante. Dizia que de 10 em 10 anos o carnaval mudaria, imagina que nos anos 2000, 2010 seria muito melhor, um fato.

Talvez ele não contasse com tamanho apagamento sistêmico, daí a importância de falarmos de seu centenário, da Liga fazer essa justa homenagem. E que sua família siga o seu legado, estando ou não na agremiação, visto que o símbolo maior daquela escola jamais será retirado, pois ele é a personificação de Seu Nenê.

Salve a Águia Guerreira, Salve Seu Nenê!

Lyllian Bragança é integrante do Samba de Bamba UK. No Instagram, @sambadebamba_uk. Facebook e YouTube: Samba de Bamba UK.

Imagem: Unsplash

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