Abuso: vigiar é o melhor remédio

Por Janice Mansur (@janice_mansur)*

Recentemente, conforme pesquisa relatada no The American Journal of Men’s Health, ficou constatado que praticamente metade dos homens gays sofrem abusos de seus parceiros, mas, hoje sabemos que relações abusivas acontecem entre diversas pessoas e segmentos sociais. Respeitadas suas particularidades, este problema não ocorre somente com os LGBTQIA+, e com mulheres heterossexuais, como alguns pensam, mas também com alguns homens heterossexuais que sofrem com isso. Na nossa sociedade patriarcal, a violência e o abuso contra homens são menos reconhecidos até porque dentro do status quo vigente, o homem que reclame de ser maltratado por uma mulher pode ser considerado menos “macho”, vindo a se calar também, como ocorre com a maioria absoluta das mulheres que são mormente desacreditadas e oprimidas. 

Abusos em geral muitas vezes são difíceis de serem identificados, principalmente nos relacionamentos amorosos, pois, como ouvi num show − frase saída da boca da própria Adriana Calcanhoto −, “pessoas apaixonadas são todas idiotas”. Sem poder discordar por completo, uma pessoa quando se apaixona projeta na outra qualidades que a outra não tem, desejos de que algo de mágico e encantado aconteça entre elas como nos contos de fadas. Entretanto, vivemos num mundo real com pessoas para lá de normalmente “falhas” e em constante transformação. 

Embora o abuso venha do outro, o “abusador”, fomos NÓS que nos permitimos estar naquela relação. Então, o que queremos chamar atenção aqui não é para o outro, o “causador” de todos nossos males, mas para nós. Por que NÓS nos permitimos ser tratados assim? O abuso começa com uma palavra ou atitude mais grosseira, uma invasão de privacidade (alguém aí deixa o parceiro mexer no seu celular e ter todas as suas senhas?), com um olhar atravessado, com ofensas que diminuem sua autoestima. Depois vai crescendo para um grito, um xingamento e depois um “tapinha” (que “de amor não dói”?), ou mais tapas e socos… e tiros e esfaqueamentos (…), causando as mortes mais escabrosas que conhecemos.

E daí quando você vê, não consegue mais impedir, falar, chorar ou revidar. Sem voz, ocorre algo mais sinistro em seu interior do que a revolta, algo que o/a faz morrer por dentro, algo que acaba com seu dia, algo avassalador. Onde está a dor de alguém? Onde suas mazelas, seus calos, seu calcanhar de Aquiles? Receber um “tapinha” de quem se ama é muito mais doloroso do que de um estranho, concorda? Então, vem a derrocada final que se sintetiza nas muitas frases do tipo “eu não valho nada”, “eu não mereço ser feliz”, “eu não sou ninguém”. E algo ali abalou sua estrutura, despertou seus medos, desenterrou suas sombras. A agressão física, de fato, é o de menos no abuso, porque você já está sendo espancado por você mesmo, por suas “escolhas”, por admitir, por ficar…

Mas temos de entender que quando falamos de relacionamentos abusivos, a discussão não pode ser circunscrita a um casal, de qual gênero for. Esse tipo de situação pode acontecer também entre pais e filhos, amigos ou parceiros de trabalho, entre outros. Mesmo que não haja violência física nessas relações, algumas atitudes configuram abusos. Portanto, podemos ter abuso nas formas de tratamento como culpabilizar a pessoa pelos problemas que surgem com você, humilhar, reprovar, aproveitar-se de uma posição de poder, maltratar verbalmente, manipular a realidade, entre outras.

Por exemplo, eu mesma, certa ocasião passei por uma situação assim. O diretor da empresa para a qual trabalhava como secretária executiva − e aqui a intenção não é denunciar ninguém, tanto que não cito nomes −, pedia-me coisas muito além da função. Aproveitava-se de minha boa vontade e conhecimento em Letras; e até livro para sua filha indiquei e encomendei. Minha atividade não se restringia às atividades laborais, pelo visto. Mas como eu era muito nova e queria “agradar” o chefe, me dispunha a ajudá-lo até mesmo com medicação para o fígado quando ele apresentava uma enxaqueca na segunda-feira. Se eu tinha alguma “coisa” com ele? Nem paixão. Nunca teria. Eu era idiota mesmo! Talvez por isso me chamasse de “garota”, como a todas as outras que trabalharam para ele. Sei disso porque uma delas já tinha sido sua secretária e se encontrava dentro da firma ainda em outro setor. Quando ela me passou todas as informações do serviço com um enorme sorriso no rosto, eu deveria ter desconfiado.

Ingenuidades à parte, você acha que houve reconhecimento dele para comigo? Claro que não! Quando adoeci de estresse, depois de 6 meses, por maus-tratos, falta de educação, ocupação de meu horário de almoço com serviços e favores, e tirei uma licença de 15 dias, a primeira coisa que ele pensou em fazer foi pedir que o RH me telefonasse, não para perguntar como eu estava, mas para me dizer que não precisaria mais retornar. Daí, e só então, foi que percebi um alívio enorme pela libertação que a demissão me propiciava. Jurei a mim mesma que nunca mais algo assim aconteceria de novo. Aquilo foi bem abusivo, mas só o reconheci muito depois.

Porém, nunca se esqueça de que você pode ser o “abusador”. Os abusos nem sempre são claros e muitas vezes vêm mascarados por um “eu te amo” ou “você é fantástico/a” ou tolices do gênero. Não se deixe enganar, portanto. Olhe para si mesmo/a e identifique o seu valor sem pensar em agradar alguém. Ninguém vai amá-lo/a mais se você só ceder. Impor seus limites não é egoísmo, é preservação.

Mas pensa que me “curei” dessa coisa toda? Vou contar para você que vigiar é o melhor remédio. Então, se não conseguir sozinho, procure ajuda. 

Promete, ao menos, que vai passar a ficar mais esperto/a? 

*A autora é educadora, poeta e criadora de conteúdo do canal de YouTube e Instagram BETTER & Happier. Visite a autora também na Academia Niteroiense de Letras. Para encontrar facilmente o link, digite no Google ANL + Janice Mansur.

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