Dornes: uma das 7 maravilhas de Portugal

Por Dani Santi, de Dornes

Uma península sobre um rio resplandecente, envolta por colinas verdes e uma espetacular beleza natural, que parece, à primeira vista, uma paisagem idílica da Áustria, destas que ilustram puzzles de 1.000 peças, impossíveis de montar ainda que tivéssemos sete vidas. É Dornes, eleita e premiada pelo projeto 7 Maravilhas de Portugal como a aldeia ribeirinha mais bonita do país, e se encontra a tão somente 160 km de Lisboa, numa região privilegiada que, graças à Barragem de Castelo do Bode, é banhada por um lago azul de 60 km de extensão, repleto de praias fluviais belíssimas, com piscinas flutuantes e águas cuja temperatura alcançam os 26ºC no verão.

Mas não é só pela beleza natural que Dornes merece uma visita: por aqui andaram, há 700 anos, ninguém menos que os míticos Cavaleiros Templários, deixando um legado ainda hoje intacto. Depois de duas horas de viagem – mais ou menos o que se leva para conseguir estacionar em Lisboa– estamos ao pé de uma torre pentagonal templária do século 12. Construída pelo grão-mestre dos templários Gualdim Pais, fundador da cidade de Tomar (sede portuguesa da Ordem dos Templários), a mando do próprio D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, a Torre de Dornes foi parte da linha de defesa militar à época da Reconquista Cristã. Estudos arqueológicos dão fé de que foi edificada sobre a base de uma torre romana que data de 72 a.C., numa área depois ocupada pelos muçulmanos (daí a origem árabe de “Zêzere”, que significa “o rio das cigarras”).

Quando perdeu a sua função militar, foi convertida em campanário do Santuário de Nossa Senhora do Pranto, cuja origem também é cheia de lendas e histórias misteriosas. Mandada construir junto à torre no século 13, desta vez pela rainha D. Isabel de Aragão, a igreja conta, entre suas relíquias, com um púlpito de 1544 e um órgão de tubos oitocentista recentemente restaurado. Torre e igreja formam um importante ponto de peregrinação mariana. De quando em quando, as ruas desertas da aldeia são invadidas por uma multidão de peregrinos, que passam por aqui a caminho de Fátima. À hora do almoço, são os carros a invadi-la, como que chamados pelo aroma de peixe frito do rio, e Dornes parece de repente uma freguesia de Lisboa, com carros estacionados por todos os lugares imagináveis.

População contada a dedo

Estes tumultos passageiros contrastam com a calmaria habitual de Dornes, uma aldeia tão pequena que o número de habitantes é contado literalmente a dedo. “Ainda ontem nos estivemos a contar e somos 25”, disse uma moradora ao Jornal SOL. São 13 km até o supermercado mais próximo, 1 hora de viagem para ir ao cinema e 45 minutos de autocarro até a escola. Há poucos locais de hospedagem e ainda menos restaurantes. “O Rio”, que tem a melhor vista, está sempre cheio, e ali se podem provar algumas delícias típicas da região, como os famosos Dornitos, biscoitos de limão e laranja com a marca da cruz templária. É fácil gostar de Dornes quando se devora o melhor pudim de abóboras e nozes de todos os tempos diante de uma vista fabulosa sobre o Zêzere.

Difícil mesmo é conseguir ver com os próprios olhos o cartão postal de Dornes: a vista panorâmica sobre a península. No posto de turismo, uma atenciosa funcionária desaconselha a fazer a trilha aos miradouros, porque são demasiado íngremes e o acesso é difícil; não há escadas ou qualquer tipo de infra-estrutura que facilite a aventura, e o desnível é de 222 metros. Munidos de um mapa com indicações feitas a caneta e muita intuição, nos embrenhamos mata adentro. Não há uma placa sequer a indicar o caminho, e o trecho final da subida tem de ser escalado com pés e mãos.

Tudo vale a pena ao chegar lá em cima: a vista é simplesmente deslumbrante. Merecia haver aqui um congestionamento igual ao do Everest, uma fila de “instagramers” disputando o melhor ângulo para tirar uma selfie. Mas para além de ser um destino ainda pouco conhecido, a região viu o turismo recuar desde os terríveis incêndios florestais que em 2017 assolaram o centro de Portugal. Impossível não sentir um calafrio enquanto se contempla a península lá de cima: a belíssima Dornes esteve a ponto de ser engolida pelas chamas. Foi evacuada às pressas e, ao contrário de outras aldeias, conseguiu escapar da tragédia. Dois anos depois daquele verão negro, a natureza se regenerou quase por completo, e a aldeia templária do Zêzere continua intacta, a deslumbrar quem tem a sorte de conhecê-la. Ao menos aqui, a história teve um final feliz.

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